Painel debate transição energética e digitalização do setor elétrico

24/07/2019

Os desafios dos processos de digitalização, descentralização e descarbonização do setor elétrico e a necessidade de maior cooperação entre os países da América Latina foram os principais temas debatidos no painel “Transição Energética e a Digitalização do Setor Elétrico”, realizado nesta terça-feira (23), no Fórum Abinee TEC 2019. O evento, moderado pelo professor José Sidnei Colombo Martini, reuniu representantes do governo brasileiro e de governos dos países latino-americanos, além de executivos do setor privado.

O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME), Reive Barros dos Santos, apresentou o planejamento energético brasileiro, compreendendo geração, transmissão e distribuição, petróleo e gás e mineração. “Um dos principais objetivos da nossa proposta de modernização do setor elétrico é garantir estabilidade regulatória e jurídica, além de previsibilidade neste mercado — fator fundamental para atração de investimentos”. Nesse sentido, ele apresentou um calendário, até 2021, de leilões de energia, como os de A-4 e A-6.

Segundo Santos, a expectativa de crescimento da economia, em torno de 2,8% ao ano, cria a necessidade de uma oferta de 5 gigawatts de energia. Para atender a essa demanda, o governo deve estimular a geração a partir de fontes eólica e fotovoltaica, além de substituir as térmicas a óleo por térmicas a gás.

Wilson Ferreira Junior, presidente da Eletrobras e da Bracier, apresentou o “Roadmap to 2050”, da Agência Internacional para as Energias Renováveis – Irena, sobre a transformação do sistema global de energia. Segundo ele, esse processo precisa de celeridade para atender aos objetivos do Acordo de Paris, diante de um grande aumento de demanda.

“Entre os principais drives dessa expansão, teremos a introdução de 1 bilhão de veículos elétricos no mercado, maior uso de eletricidade para aquecimento e o surgimento de hidrogênio renovável”, inumerou. Em sua avaliação, as ferramentas da transformação são a digitalização, a descentralização e a descarbonização, que podem ser alcançadas a partir da introdução de novas tecnologias, como Internet das Coisas (IoT), blockchain, entre outras.

Para atingir esses objetivos, Ferreira Junior destacou a importância da integração entre os países, permitindo a alocação eficiente de recursos e a complementariedade de fontes, além de garantir segurança energética e um ambiente de negócios mais favorável.

A visão do setor privado
Integração. Essa é a palavra de ordem no novo cenário de transformação digital. “Compartilhar é o que gera inovação”, destacou o presidente da Schneider Electric Brasil, Marcos Matias. Em sua apresentação, o executivo ressaltou a convergência entre a área elétrica e eletrônica, que provoca uma revolução no mundo dos negócios.

Segundo ele, os data centers consomem hoje de 4% a 5% de toda a energia produzida. “Estamos caminhando para um mundo mais elétrico, mais digital, mais descarbonizado e descentralizado”, afirmou. Para Matias, as novas tecnologias proporcionam a redução de perdas energéticas, que geram impactos climáticos positivos. “A gestão de redes, a partir do smart grid, permite otimizar a operação e o planejamento na utilização de energia”, disse.

Em sua avaliação, a segurança cibernética é fundamental, mas não pode ser “usada como muleta” para impedir a expansão das redes inteligentes. Outro fator é o nascimento de um novo consumidor, que passa a ser gestor da energia utilizada. “Temos um oceano azul de oportunidades”, completou.

Citando a atual situação do agronegócio brasileiro, da matriz energética atual e a descoberta do Pré-Sal, o presidente e CEO da Siemens Brasil, André Clark, afirmou que o Brasil tem uma posição privilegiada, fruto de investimentos e iniciativas conjuntas entre governo, setor privado e acadêmico. “Todas essas ações só foram possíveis com muita inovação”.

Segundo ele, a Internet das Coisas trouxe uma nova realidade repleta de desafios e oportunidades. “A cidade do futuro será diferente e, por isso, a rede de distribuição tem de mudar de forma diametral”, disse o executivo, que apresentou o case da Siemens em Jundiaí, no Estado de São Paulo, no qual a empresa contribuiu para o planejamento da cidade para os próximos 30 anos. O projeto incluiu pegada de carbono, transporte, energia e prédios inteligentes. Para Clark, o momento representa uma oportunidade singular para a integração energética regional com outros países da América Latina, como o caso da Bacia do Prata, que compreende Brasil, Uruguai, Bolívia, Paraguai e Argentina.

Integração na América Latina
A América Latina compreende cerca 635 milhões de habitantes, com um consumo de 2 mil quilowatts-hora por cada habitante. A informação é do diretor de Integração da Organização Latino America de Energia (Olade), Medardo Cadena. Segundo ele, devido às distintas matrizes energéticas dos países, 71% da energia consumida na região ainda não é renovável. Para Cadena, apesar das diferenças, todos possuem o objetivo comum de promover a transição energética com vistas a desenvolver economias de baixa emissão de carbono. “Cada país pode atingir seu objetivo de uma forma particular, mas um ator que merece ser considerado para integração é o gás natural”, afirmou. Em sua avaliação, essa fonte tem grande potencial de crescimento e pode ser um elemento importante para a descarbonização do setor elétrico.

O vice-ministro de Minas e Energia do Paraguai, Carlos Zaldívar, apresentou o panorama energético do país e destacou a necessidade de aumentar em 60% o uso de energias renováveis, além da meta de emissão zero de CO2 até 2050 no âmbito da política estratégica 2016-2040. Também afirmou que o Paraguai tem consciência de que deverá trabalhar junto com o Brasil e destacou as oportunidades da matriz energética de seu país, como autoprodução de eletricidade, cultivos bioenergéticos, refinamento de petróleo.

Juan Garade, secretário de recursos renováveis e mercado elétrico da Argentina, disse que o país tem investido na construção de pequenos parques para geração de energias eólica e solar. “Basicamente, 9% de toda nossa demanda de energia será abastecida por fontes renováveis nos próximos anos”. Segundo Garade, a transformação do sistema elétrico é inevitável e ininterrupta, demandando robustez institucional e estabilidade regulatória.

As barreiras institucionais também foram citadas pelo vice-ministro de Minas e Energia do Paraguai, Felipe Mitjans que, reforçou os compromissos internacionais assumidos pelos países, como o COP21 e o IRENA de emissão zero até 2050.

Mitjans comentou sobre a possiblidade de paralelismo entre Itaipu e Yacyreta, convertendo o Paraguai em corredor de energia limpa para a integração entre Paraguai, Brasil e Argentina. Citou também a criação da Ata de Acordo para a Integração Energética, que possibilitou a venda de energia para Bolívia, Chile e Uruguai.

O assessor do ministro de Energia do Equador, Vitor Oreluela Luna, abordou a mudança da matriz energética do país, especialmente em função do racionamento de energia em 2009, quando foi necessário comprar energia da Colômbia. A partir daí, criaram-se políticas de aumento de capacidade de geração, redução do consumo de energia elétrica, eliminação do consumo de diesel e diminuição das emissões de CO2. Hoje, entretanto, 90% da energia do país ainda é hidráulica; 8% térmica e 2% são energias renováveis.

Luna também apresentou o projeto “Zero combustíveis fósseis em Galápagos”, com o aumento do uso de energia solar e eólica e do óleo de pinhão nas ilhas. No tema da integração dos países andinos, comentou sobre a aproximação existente entre Equador, Colômbia e Peru.

Para o diretor Geral da ISA – Rede de Energia do Peru, Carlos Sánchez, a integração ainda está aquém das possibilidades para o desenvolvimento de ações similares, como ocorre na Europa.

Com uma matriz energética composta basicamente por hidroelétrica e gás, o Peru ainda não possui estrutura para geração distribuída. Segundo Sánchez, o governo estuda mudanças no sistema regulatório do setor e a interconexão com outros países, como o Brasil.