Desastre anunciado para setores da indústria

04/06/2020

O setor eletroeletrônico brasileiro foi um dos primeiros a sentir os impactos da pandemia na atividade industrial. Em meio ao quadro delicado, as empresas enfrentam a preocupação com as negociações do acordo comercial entre Mercosul e Coréia do Sul. O sinal de alerta deve-se à ausência de informações sobre as ofertas do Mercosul em cinco rodadas de negociação já realizadas, o que demonstra a falta de transparência no trato de tema tão relevante.

Em 2017, o setor privado foi informado, oficialmente, de que a negociação trataria de um acordo de alcance parcial, característica reafirmada pelos nossos negociadores em várias oportunidades. Entretanto, ao final de 2019, as negociações passaram a ter como objetivo um acordo de livre comércio, sem que tenha havido nova consulta pública.

Desde 2017, com outras entidades empresariais, a Abinee deixou claro que a Coréia do Sul não é um mercado prioritário para as exportações brasileiras de produtos industrializados.

Ao contrário, é um dos maiores fornecedores de produtos elétricos e eletrônicos importados pelo Brasil.

Sob a liderança da CNI, foi elaborado um estudo econométrico, o Gtap (Global Trade Analysis Project), utilizado pelo próprio Ministério da Economia, demonstrando os graves prejuízos aos PIBs setoriais, inclusive agrícolas e agroindustriais. Segundo o levantamento, o setor elétrico e eletrônico é o que sofrerá a maior retração no PIB em função do acordo com a Coréia do Sul. As reduções do PIB chegarão a 61% da produção setorial, considerado-se o crescimento médio anual de 2,56% dos últimos oito anos, reduzindo, também, a arrecadação tributária, em torno de R$ 200 bilhões/ano.

A conhecida agressividade comercial coreana deve atropelar diversos setores industriais, que se transformarão em meros importadores de produtos coreanos, provocando um enorme desemprego no setor eletroeletrônico, colocando em risco uma mão de obra especializada de cerca de 200 mil pessoas, inclusive com encolhimento de P&D.

A indústria eletrônica é um dos segmentos que mais investem em pesquisa e desenvolvimento no país. Em razão da Política de TICs, as empresas investem, no mínimo, 4% do faturamento, podendo chegar a 15%, superando a média da indústria de transformação, inferior a 2%. As inversões contribuem para o funcionamento de um ecossistema de inovação com mais de 300 centros de pesquisa espalhados por todas as regiões brasileiras. São cerca de 30 mil doutores e pós-doutores que poderão perder o emprego.

De 2006 a 2019, as empresas investiram cerca de R$ 16 bilhões em P&D. Perdendo produção, perderemos também os recursos fundamentais para a inserção do país nas cadeias globais de valor. Diante desse cenário, é justo questionar por que as empresas coreanas instaladas no Brasil terão interesse em continuar produzindo aqui. Não será mais conveniente e menos dispendioso passar a importar das matrizes, transformando-se em simples importadores e distribuidores no Brasil?

Um dos ensinamentos que deveríamos aprender neste trágico instante é o de refletir sobre como e em que condições sairemos desta situação. Temos que pensar profundamente em diminuir nossas vulnerabilidades para promover sério processo de reindustrialização, fundamental e de extrema necessidade para a urgente geração de empregos.

A Abinee tem pleiteado a imediata suspensão das negociações e o retorno das tratativas para um acordo de alcance parcial, com ampla e prévia discussão interna no Mercosul, visando considerar a proposta negociadora inicial apresentada em 2017, com base no entendimento de que “nada está decidido enquanto tudo não estiver decidido”.

Neste momento de pandemia, empresas dos setores elétrico e eletrônico e de vários outros segmentos industriais têm mostrado a força e a importância estratégica de contarmos com um robusto — industrial, que, em questão de dias, adequou a produção para auxiliar no combate à Covid-19, redirecionando a produção para a fabricação de ventiladores pulmonares, hoje escassos em todo o mundo.

O setor eletroeletrônico – segmento industrial brasileiro com alto grau de integração internacional – não se furta a negociar novos acordos comerciais. Entretanto, é urgente pensarmos em como diminuir a assimetria das condições da nossa inserção, ao contrário de aprofundá-la mais.

Humberto Barbato, presidente-executivo da Abinee