Como empresas dão um novo destino a seus resíduos, de cabelo a borra de café

20/09/2020

Empreendedores têm buscado saídas para o lado B dos negócios: a logística reversa. Para compartilhar a responsabilidade —prevista em lei desde 2010— de encaminhar os resíduos após o consumo, pequenas e médias empresas inventam parcerias para um novo ecossistema de negócios, que busca fechar as pontas do ciclo entre o descarte e a produção.

Quando o entregador do Amiste Café chega ao salão Cabelaria, na zona oeste de São Paulo, para fornecer os grãos que viram o cafezinho de cortesia aos clientes, ele aproveita para recolher a borra dos cafés passados.

O Amiste armazena o resíduo em baldes e, quando recebe a cesta de alimentos encomendada da Balaio Orgânico, aproveita para entregar a borra de café, que vira fertilizante para as hortas. A parceria funciona há um ano e já desviou 500 kg de borra de café da rota dos aterros sanitários.

Mas a busca começou há quatro anos, quando o Amiste contratou uma consultoria para avaliar seu impacto ambiental. “Eu ficava muito incomodado com os copinhos plásticos que os clientes usavam, mas o resultado [da avaliação] foi que 80% do nosso resíduo era justamente a borra de café”, diz Eduardo Vicente, 39, sócio-diretor do Amiste, que, além de São Paulo, tem franquias em 12 cidades.

Já a Cabelaria descobriu há um ano, por meio de uma consultoria, que os fios de cabelo são um resíduo problemático. Um dos vilões do entupimento de redes de esgoto (junto a plásticos e óleo), eles podem levar até 40 anos para se decompor.

Mas o cabelo é um insumo que interessa à indústria de revestimentos de parede, substituindo fibras de polipropileno, um tipo de plástico que dá resistência às placas.

“Outra alternativa que está sendo estudada é a fabricação de mantas para contenção de vazamento de óleo, feitas de cabelo”, diz a visagista e administradora da Cabelaria, Kelen Munhoz, 41.

Ela vinha pesquisando alternativas para os resíduos do salão desde 2016. Há dois meses, aderiu ao programa Beleza Verde, da empresa de engenharia reversa Dinâmica Ambiental, em Diadema, na Grande São Paulo.

“Eles conseguem retirar todo o resíduo que fica no papel de mechas, recuperando o papel alumínio completamente. Sabe o restinho do xampu que fica nas paredes do plástico? Eles fazem uma mistura que vira combustível para a indústria”, conta.

“Aderimos e resolvemos absorver o custo, de R$ 650 reais por mês”, ela diz. A mensalidade é proporcional à quantidade de resíduo gerada por cada estabelecimento. A empresa faz a coleta e busca destinação para cada tipo de material.

Nos últimos cinco anos, o surgimento de companhias especializadas na logística reversa de cada setor tem ajudado a viabilizar o comprometimento do empreendedor com o destino dos produtos pós-consumo.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada em 2010, prevê a responsabilidade compartilhada entre geradores de resíduos pela sua destinação adequada.

De lá para cá, o governo federal firmou acordos setoriais que estabelecem metas de reciclagem com seis tipos de indústria: embalagens de óleo lubrificante, lâmpadas, embalagens em geral, embalagens de aço, baterias e eletroeletrônicos.

Para viabilizar o compromisso do acordo setorial, a Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) criou uma gestora sem fins lucrativos, a Green Eletron. Com ela, em vez de cada empresa buscar por conta própria o retorno dos resíduos gerados após o consumo, cria-se um mecanismo de compensação ambiental.

Cada empresa paga uma mensalidade proporcional à quantidade de materiais descartados, e a Green Eletron, por meio dos pontos de entrega voluntária, reúne e destina à reciclagem uma quantidade equivalente de resíduo gerado pelas suas associadas.

“Custa caro. Mas reciclamos tudo o que coletamos”, diz Ademir Brescansin, gerente-executivo da Green Eletron.

Em dez estados, as regulamentações da lei federal buscam formas de fiscalização, como a exigência de comprovação da quantidade de resíduo gerada, por meio do lastro das notas fiscais. Mas ainda não há implementação de processos fiscalizatórios capazes de mover a adesão empresarial à logística reversa.

Na avaliação dos empreendedores e das gestoras de resíduos, o motor para essa adequação vem do mercado e da cobrança dos consumidores.

“Bom que vocês são orgânicos; pena que a embalagem é de plástico.” A reclamação foi feita por clientes da Fazenda da Toca, produtora de ovos em Itirapina (SP). A empresa, então, trocou o material de suas caixas por papel e papelão.

Garantir que elas seriam recicladas, no entanto, ainda parecia uma missão impossível. A solução foi a compensação oferecida pela Eureciclo, que cobra uma mensalidade proporcional à quantidade de embalagem levada ao mercado e se compromete a reciclar um montante equivalente do mesmo tipo de material.

A certificadora rastreia com tecnologia blockchain o que é coletado e reinserido no processo produtivo, emitindo certificados que cobram das empresas geradoras do resíduo e remuneram as cooperativas de coleta —o que faz com que embalagens de menor valor para a reciclagem, como o vidro, tornem-se viáveis para os coletores.

“O custo acrescenta só alguns centavos por embalagem. O inviável seria fazer a engenharia reversa da mesma embalagem [sem a compensação]”, afirma o diretor-executivo da Fazenda da Toca, Fernando Bicaletto, 51.

“As pequenas e médias empresas geralmente não têm uma diretoria de sustentabilidade, como uma grande. Elas precisam de uma solução economicamente viável para ficar dentro do que o consumidor delas quer”, afirma Marcos Matos, diretor de vendas da Eureciclo.