Aspirador robô e máquina de pão vivem ressaca da pandemia

03/04/2022

Trabalhando de casa por quase um ano e sem muitas opções de lazer durante a maior parte da pandemia, a auxiliar operacional Gabriella Leite, 23, resolveu tentar um novo hobby: comprou uma câmera analógica com o objetivo de aprender fotografia. Só que o aparelho chegou praticamente junto ao aviso de que ela teria de voltar ao escritório.

“Os primeiros meses da pandemia foram de incerteza, a gente não sabia por quanto tempo iria ficar preso em casa e decidi comprar a câmera”, diz. “Já tinha o costume de comprar produtos usados na internet, então, pesquisei e comprei câmera e filme. Mas no dia seguinte, voltei ao trabalho presencial.”

Como ela trabalha e faz faculdade, o tempo que já era curto durante a quarentena, tirou a fotografia dos planos por enquanto. Ela também revendeu um smartwatch comprado durante a crise sanitária.

O maior tempo em casa e a busca por distrações ou aparelhos para facilitar o trabalho doméstico levaram a um desempenho acima da média dos segmentos de eletroeletrônicos durante a quarentena, mas a redução das medidas de distanciamento trazem mudanças no comportamento do consumidor.

Um levantamento com alguns produtos que se tornaram simbólicos na quarentena feito pelo site de anúncios OLX, em sua maioria de itens usados e seminovos, ajuda a entender esse movimento.

Em 2020, primeiro ano de pandemia, as vendas de robôs aspiradores saltaram 168%; as de lava-louças, 52%, as de máquinas de fazer pão, 44%, as bicicletas ergométricas, 39%; e as fritadeiras tipo air fryer, 20%.

Com a volta ao escritório, a situação das vendas se inverteu: na comparação do segundo semestre do ano passado com os seis primeiros meses de 2021, todos esses itens registraram queda pela plataforma.

Ao longo de 2021, com o avanço da vacinação, os anúncios de pessoas vendendo esses equipamentos tiveram altas de até 91% na comparação com 2020.

A casa funcionária pública aposentada Márcia Neide, 67, por exemplo, passou por uma espécie de efeito sanfona nos anos de pandemia. Ela antes morava em uma chácara com o marido no interior do Rio Grande do Sul. “Com a quarentena, os dois filhos vieram, trazendo as noras e três netos.”

A casa foi equipada com máquina panificadora, dois secadores de cabelo, um barbeador elétrico e uma esteira para exercícios. “Com a volta dos parentes para suas casas, os produtos que não foram doados a vizinhos acabaram no armário. É a vez deles ficarem trancados”, brinca.

Um levantamento exclusivo da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) mostra que apenas 3 de 10 segmentos do varejo apresentaram variação positiva no volume de vendas em janeiro deste ano na comparação com fevereiro de 2020 —o último mês completo antes da crise sanitária. Entre móveis e eletrodomésticos, a queda é de 12,3%; informática e comunicação, de 14%.

O levantamento também aponta que as vendas de eletrodomésticos e móveis tiveram o pior desempenho desde março de 2021, quando o país foi atingido pela segunda onda de Covid-19.

Ainda segundo a CNC, que utilizou anúncios do Google Shopping para comparar os itens mais buscados, há uma variação de preços, em seis meses, de até 25% para modelos de robôs aspiradores. Para máquinas panificadoras, este aumento pode chegar a 35%.

“A elevação dos preços desses produtos é o primeiro fator a prejudicar o desempenho desses segmentos em 2022”, diz o economista sênior da entidade, Fabio Bentes. “Um segundo problema é que houve um certo esgotamento do ciclo de consumo de bens duráveis. A partir de junho de 2021, móveis e eletrodomésticos começaram a ter meses de quedas ou de baixos crescimentos, e o varejo tem dificuldade para sustentar o nível de antes.”

Bentes destaca, ainda, um terceiro obstáculo para esses segmentos: o crédito. Com as altas de juros, e a taxa básica a 11,75% ao ano, o consumidor tem mais dificuldades em parcelar itens de maior valor, como os produtos para a casa.

A CNC simulou que o consumidor pagaria parcelas de R$ 129,44 em um financiamento de R$ 1.000, por 11 meses, a prazos e taxas vigentes em janeiro deste ano. Há cinco meses, as parcelas seriam de R$ 114,05.

“Como a inflação não dá trégua, os juros devem continuar subindo.”

A inflação, que se espalhou por mais de 70% dos itens do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) em fevereiro não poupou eletrodomésticos e eletrônicos. Em 12 meses, a categoria acumula inflação de 15,46%. Refrigeradores subiram 24,71%; videogames, 21,24%, e televisores, 19,61%.

Eletrônicos em Quarentena

Setor espera que 2022 seja um ano difícil

O setor reconhece que 2020 e 2021 foram anos atípicos de vendas. Sem opções de lazer e de entretenimento concorrendo pelo bolso do consumidor e com o brasileiro mais tempo em casa, os eletroeletrônicos ganharam espaço na lista de prioridades de quem pôde gastar.

“A gente viveu um momento inusitado, atípico e caótico nos últimos anos”, diz José Jorge do Nascimento Júnior, presidente da Eletros, que reúne empresas do setor. “Em abril de 2020, tudo fechou e praticamente ficamos sem faturamento. O mercado, então, deu um salto a partir de julho, com as pessoas ficando em casa e transformando seu espaço doméstico em escritórios e salas de estudo.”

Em 2021, o primeiro semestre ainda foi de crescimento e alta de preços e de custos de produção, com dólar alto e energia mais cara. No segundo semestre do ano passado, com o avanço da vacinação, a demanda pelos produtos começou a cair.

Hoje, a Eletros espera voltar em 2022 ao patamar de 2020, recuperando as perdas do ano passado.

O setor saiu de uma capacidade ociosa de 30% e chegou a operar com 100%, trabalhado aos sábados e em três turnos.

No caso da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) a expectativa para este ano é de uma queda real (já considerando a inflação) de 3%. “Sem dúvida, estamos percebendo mudanças no comportamento do consumidor e a nossa expectativa é que a área de informática possa não ter um crescimento positivo, devido à antecipação de compras que ocorreu durante a quarentena”, diz o presidente da entidade, Humberto Barbato.

Ele lembra que o consumidor que trabalhou de casa nos últimos anos foi forçado a trocar de computador ou comprar novos equipamentos para os filhos em idade escolar, por exemplo. “Ninguém troca de eletrodoméstico ou computador todo ano, por isso 2022 deve mesmo ser mais fraco.”

Mas o aumento no número de anúncios de aparelhos nessas plataformas nem sempre é sinal de arrependimento. Parte dos consumidores aproveitou o período em casa para descobrir utensílios que facilitassem o cotidiano. O casal Bruno, 37, e Sabrina Escabora, 41, é um exemplo disso.

Moradores de São Paulo, o supervisor de engenharia e a gerente de vendas colocaram um anúncio para vender um robô aspirador em março, mas não por estarem insatisfeitos com a tecnologia. A intenção é ficar com um modelo mais moderno, que esvazia o lixo sozinho e foi comprado durante a pandemia.

“Minha mulher sempre se interessou por esse tipo de eletrodoméstico e usa o robô diariamente. Eu nunca esperava gastar duas vezes em um mesmo produto”, conta. Os dois continuam em home office e esperam o segundo filho. Durante a quarentena, sem os gastos com lazer e viagens, a maior parte dos recursos acabou indo para equipar a casa e em brinquedos para distrair a filha do casal, Eva, 3.

Com a volta ao escritório parte das empresas aposta em equipamentos que independem da presença de pessoas na casa, como aparelhos de ar-condicionado que podem ser acionados pela internet, robôs aspiradores que fazem todo o ciclo de limpeza sozinhos ou panelas e máquinas panificadoras programadas com acionamento tardio.

“Como o combustível do setor é a inovação, as empresas estão sempre investindo em novos produtos para cativar o consumidor. O ano vai ser mais difícil, mas não temos queda no número de empregos no setor, isso demonstra que existe otimismo”, diz Barbato.

“Este ano é de Copa do Mundo, a ressaca de uma crise econômica pode estar acabando e esperamos vender muitos televisores e produtos de refrigeração. O dólar em um patamar mais baixo e com a esperada redução da conta de energia podem levar a uma redução de custos”, diz Nascimento Júnior.