Camiseta da seleção do Brasil muito barata? Pode ser falsa

25/10/2022

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A Black Friday, data que vem se consolidando no calendário de promoções e compras do varejo, se aproxima, e segundo pesquisa do Google, deve ser puxada pela Copa do Mundo em 2022.

Para o consumidor que se prepara para buscar camisas do Brasil e outros artigos em verde e amarelo (roupas e acessórios estão na categoria mais desejada por consumidores ouvidos em pesquisa do Google e do Instituto Ipsos), vale redobrar os cuidados e o faro: se os preços estiverem muito baixos, há o risco de ser uma falsificação.

A edição comemorativa da camisa do Brasil para torcedores produzida neste ano pela Nike, por exemplo, aquela com a estampa da onça-pintada nos braços, custa R$ 349 no site dedicado a essa coleção e em revendedores autorizados.

Nas principais plataformas de ecommerce, porém, o consumidor pode encontrar dezenas de anúncios oferecendo a peça por menos da metade desse valor.

Nenhuma diz explicitamente se tratar de uma réplica, mas uma análise mais atenta aos detalhes da publicação vai identificar, por exemplo, que no campo destinado à marca, não aparece a Nike ou mesmo CBF (Confederação Brasileira De Futebol), para outras versões anteriores das camisas do time canarinho.

A falsificação não é um problema novo, mas a pandemia impulsionou o problema com a expansão do comércio online, que chegou a novos consumidores e novos vendedores.

Passos importantes vêm sendo tomados, diz Edson Vismona, presidente e fundador do FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade), e que ganharam fôlego a partir de 2019.

Naquele ano, a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), ligada ao Ministério da Justiça, publicou um nota técnica afastando a aplicação do Marco Civil da Internet aos marketplaces, sites agregadores de lojas.

As plataformas passaram anos brigando para não serem enquadradas no Código de Defesa do Consumidor. Diziam que a retirada dos anúncios era impossível e que se tratava de liberdade de expressão, uma previsão do Marco Civil. A pressão surtiu efeito e hoje todas as maiores têm políticas de garantia e devolução do dinheiro.

O Mercado Livre, que mantém a maior operação de ecommerce da América Latina, tem a “compra garantida”. Um dos requisitos possíveis para o consumidor usar a garantia é a suspeita de falsificação. Porém, a plataforma vê essa garantia como liberalidade assumida pela empresa, e não como uma obrigação.

Combate à pirataria

O que as grandes empresas fazem

– Mercado Livre

Mantém um canal direto com 6.700 marcas e donos de propriedade intelectual para o recebimento de denúncias de pirataria ou falsificação

– Magazine Luiza

Cerca de 300 marcas mantém canal direto para denúncias; marcas também podem informar quais CNPJs estão autorizados a vender seus produtos

– Shopee

Usuários e marcas podem fazer denúncias no site

– Via (Casas Bahia e Ponto)

Ações preventivas e repressivas para confirmar a legalidade dos produtos anunciados

Na relação com as marcas, o Mercado Livre toca diversas frentes para conter anúncios de piratas, como o Brand Protection Program (programa de proteção a marcas). São 6.700 donos de marcas que têm acesso direto a uma ferramenta de denúncias em bloco.

Ricardo Lagreca, diretor jurídico sênior da companhia no Brasil, diz que os anúncios derrubados por violações ficam em cerca de 1% do total que é publicado na América Latina.

A companhia diz ter feito US$ 100 milhões em investimentos nos últimos anos em tecnologias que consigam monitorar palavras proibidas e suspeitas e aprendam padrões do que talvez seja um anúncio irregular. A cada denúncia feita por um ser humano, oito vêm da automatização.

“Não existe uma tecnologia que consiga pegar tudo, mas de um relatório para outro reduzimos cerca de 30% o volume de anúncios derrubados”, afirma.

O programa de proteção às marcas é elogiado pelas entidades que representam as indústrias de artigos esportivos (Ápice) e de higiene, perfumaria e cosméticos (Abihpec), justamente por facilitar e agilizar as denúncias.

O Magazine Luiza diz que o freio às irregularidades começa no cadastro inicial, que impede o acesso de pelo menos 10% daqueles que tentam usar o site para vender seus produtos.

A varejista recebe denúncias feitas por marcas, tem uma lista de termos e palavras proibidas e tem uma equipe de qualidade para revisões periódicas. Um vendedor com um preço muito baixo pode ser chamado a se explicar.

O diretor de operações de marketplace do Magalu, Felipe Cohen, diz que até setembro 10 mil vendedores receberam alguma advertência. Desses, 2.000 foram suspensos e um pouco mais de 1.000 foram banidos. A venda de falsificados é um dos requisitos para expulsão. “Se não consegue comprovar a origem, está fora.”

A Shopee, marketplace com origem em Singapura, diz que também veta a venda de produtos falsificados. A empresa aderiu, como os demais citados nesta reportagem, a um guia de boas práticas do ecommerce, publicado pelo Conselho Nacional de Combate à Pirataria, da Senacon, que prevê a obrigatoriedade de cadastro com CPF ou CNPJ e a busca ativa de anúncios ilegais, piratas ou não homologados.

Para a Ápice (da indústria e comércio esportivo), que representa marcas como Adidas, Nike, Asics e Puma, os esforços da Shopee não são suficientes. Um levantamento feito pela entidade identificou 17,706 mil vendedores com produtos falsificados na plataforma, estimados em R$ 650 milhões.

“Parece que a oferta de produto falsificado é parte do modelo de negócio deles”, diz Renato Jardim, diretor-executivo da associação.

A empresa rejeita a imputação de que seja benevolente com pirataria. A Shopee diz que exige dos vendedores o cumprimento de regras, entre elas a proibição de anúncios que violem a propriedade intelectual de terceiros.

“Estamos comprometidos a oferecer uma experiência segura e atender consumidores e vendedores, incluindo muitas marcas globais bem estabelecidas que possuem lojas em nossa seção Shopee Oficial”, diz, em nota.

A Via, dona de Casas Bahia e Ponto, diz manter critérios rigorosos de avaliação de lojistas e produtos. Ela também assinou o guia de boas práticas e atua com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para combater a venda de itens de telefonia em desacordo.

Anatel também tenta conter oferta de produtos irregulares

Em outra frente a Anatel tem tentado barrar a venda de produtos irregulares e sem homologação pelo órgão, procedimento que garante a conformidade com as normas técnicas vigentes. A agência diz que vem se reunindo com as principais empresas para discutir o aprimoramento de ferramentas que impeçam a publicação de anúncios irregulares.

Entre junho e agosto, a Anatel realizou operações em centros de distribuição de Amazon, Shopee, Casa e Vídeo e Mercado Livre, de onde foram recolhidos 17,945 mil produtos irregulares, estimados em R$ 2,5 milhões. A Amazon diz que “apurou as informações em cooperação com as autoridades” e tomará providências. As outras dizem que colaboram com a Anatel.

Os principais alvos dessas operações são celulares, carregadores, powerbanks (carregadores portáteis), smartwatch, TV box (aparelhos para streaming), roteadores, fones de ouvidos, antenas e câmeras.

As TV boxes ilegais e os decodificadores de sinal são uma dor de cabeça para as empresas de TV por assinatura, que estimam um prejuízo de R$ 15,5 bilhões ao ano, dos quais R$ 2,2 bilhões são impostos sonegados.

A ABTA (associação das tvs pagas) mantém um núcleo de monitoramento e denúncia. Até setembro, a associação diz ter identificado e denunciado 40 mil anúncios em marketplaces. Cerca de 38 mil foram derrubados.

Na indústria de eletrônicos, os celulares são os mais falsificados. A Abinee calcula que cerca de 10% do mercado seja formado por telefones vendidos irregularmente.

Esses produtos chegam ao Brasil, diz Luiz Claudio Carneiro, diretor de dispositivos móveis da Abinee (associação da indústria Elétrica e Eletrônica), pelos marketplaces, via importação. São pequenas lojas que compram no Paraguai e depois vendem em sites de intermediação. Outra parcela pequena chega diretamente para o consumidor, via importação, em geral da China.

A vantagem competitiva é o preço. “Se o oficial custa R$ 100, um desses irregulares custa R$ 60”, diz. “A diferença de 40% é justamente o que as empresas regulares gastam com carga tributária e custo regulatório”.

O setor não tem uma estimativa do impacto dessas negociações para a indústria, mas aponta que cerca de R$ 4 bilhões em impostos deixam de ser recolhidos a cada ano.